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Amar e desamar: da violação da intimidade e da privacidade

20 de Novembro de 2019

Autora: Beatriz Helena Braganholo. Advogada especializada em direito de família e sucessões. Especialista em Direito Civil e Mestre em Direito Constitucional. Membro da Comissão Advogado de Família (IBDFAM/RS). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Civil-Constitucional, Família, Sucessões, Mediação e Bioética, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Afinal, o direito de família pode afirmar em qual exato momento quebra-se ou rompe-se o elo que une duas pessoas? A intimidade do casal e a subjetividade dos sentimentos podem ser expostos socialmente ou livremente em processos judiciais que visam partilhar bens ou obter pensão?

Ao longo dos processos judiciais a vida privada e a intimidade das partes envolvidas, muitas vezes, acabam sendo expostas e violadas. Ocorre que as graves acusações ao longo das etapas processuais atingem diretamente a pessoa envolvida, sendo que o profissional, o filho, o amigo, o ex-convivente, entre tantos papeis que cada um de nós desempenhamos, podem ser amplamente expostos diante das infundadas alegações de responsabilidade por dano moral.

Nesse sentido, as transcrições de diálogos entre o casal, sem que haja concordância da outra parte, incitam a violação do direito à privacidade e intimidade. Além disso, a dignidade da pessoa humana, amplamente protegida pela Constituição Federal de 1988, não pode ser relegada a segundo plano, nem mesmo para fins de sensibilizar o judiciário.

A própria Constituição Brasileira afirma no caput do seu artigo 5°, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se o direito à resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem prevista no “inciso V” das garantias fundamentais. [1]

Com efeito, dispõe a Legislação Civil, em complementação aos artigos 12 e 20, §único, do Código Civil, que:

Art. 21 - A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Vejamos a esse respeito o que diz Regina Maria Macedo Nery, verbo ad verbum:

"Desse modo, impossível aceitar que o direito à liberdade de expressão e o de informação sejam absolutos, pois, como instrumento de realização pessoal e de formação de opinião democrática, devem respeitar, dentre outros, o direito de personalidade, o direito à imagem, ao bom nome e reputação, à intimidade privada, principalmente porque a expressão ou informação falsa não recebe proteção do sistema jurídico brasileiro, na medida em que, incorreta, possibilita influenciar a opinião pública e prejudicar o processo democrático". [2]

A grande mudança surgida no direito de família com o advento da Constituição Federal, foi a defesa intransigente do princípio da dignidade da pessoa, passando a prevalecer o respeito à intimidade, a privacidade e à imagem.

A partir dessa mudança, considerando as garantias advindas da Constituição Federal e, amplamente recepcionadas pela legislação infraconstitucional, profundas modificações na proteção das relações de afeto, da defesa da dignidade humana, traduzida pela eliminação de todas as imputações de culpa (culpado x inocente) que possam ser atribuídas ao término dos relacionamentos, sejam eles abrangidos pela entidade familiar da união estável ou casamento civil.

Por conta disso, as palavras de Warat,[3] que tanto se dedicou à mediação familiar, elucidam bem a relação íntima entre o direito de família e os desfazimentos dos vínculos afetivos do casamento ou da união estável:

"O desamor é uma despedida de um vínculo ou de um modo de nos relacionarmos. No desamor, existem perdas e ganhos. Perde-se a história vivida, mas ganha-se algo dessa história, se dela conseguimos tirar alguma lição e abrir-nos as perspectivas de futuro. O desamor é complicado porque as pessoas não sabem dizer adeus, botar um ponto final em uma história. Colocar um ponto final, dizer adeus, sem gerar conflitos de despedida é uma tarefa muito difícil, então as pessoas precisam ser ajudadas, principalmente, a descobrir que estão em uma fase de desamor. Ninguém nos ensinou a amar, muito menos nos ajudará a aprender a desamar, a fazer do desamor uma boa despedida".

Nesse contexto, há necessidade de conciliar nossos desejos com a liberdade do outro, tarefa nem sempre possível, pois os próprios anseios muitas vezes vão de encontro ao mundo exterior e seus valores. Mesmo assim, existem princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e os princípios gerais aplicáveis a todas as entidades familiares, a exemplo da afetividade, que se converteram em valores coletivos da família e os pessoais de cada um dos seus membros, portanto, as atuais perspectivas do direito familiarista afastam a discussão da culpa. [4]

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

[2] FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito constitucional. São Paulo: RT, 2011, p. 588.

[3] WARAT, Luis Alberto. O Ofício do Mediador. Florianópolis: Habitus, 2001, p. 132.

[4] LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 145.


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